Perdida no tempo, no espaço e no vento



Imaginem a Grécia.

O que vos vem à mente? Casas brancas? O azul profundo do mar? Eventualmente o Pártenon. 

A força das imagens que nos chegam tornam difícil conceber uma Grécia além de ilhas paradisíacas e vestígios de civilizações berço da “cultura ocidental”. 

Nos primeiros dias de visita estive em constante dissonância cognitiva. Não conseguia sacudir a sensação que Atenas não correspondia ao que acreditava ser uma capital europeia contemporânea. Munida daquele instrumento infalível de análise - o olhómetro - deparei-me com carros que pareciam pertencer a sucatas, prédios devolutos e/ou vandalizados, pessoas a fumar no local de trabalho, e o desperdício criado pelo hábito grego de beber café on the go em copos descartáveis. 

Foi ao terceiro dia de visita que localizei Atenas no planisfério mental. A epifania chegou com a ida ao mercado Varvakeios Agora. Atenas tem mais de Istambul e Norte de África, do que de Roma e Europa Ocidental (não fora ter sido parte do Império Romano Oriental e depois do império Otomano). Os odores intensos impediram que me prolongasse pelo mercado, mas uma ronda foi o suficiente para enquadrar a peça que me faltava. 

Mais adiante, um guia turístico iria confirmar como a herança do domínio otomano, aliada aos infortúnios sócio-económicos mais recentes, continua a travar o ritmo de desenvolvimento do país. A Grécia, disse, parece condenada a estar sempre umas décadas atrás. Este é o retrato da Grécia pelos que a habitam. Não da focada em turistas: do teatro de Epidaurus, de Micenas, das Acrópoles, e dos distritos de comida que pontuam a capital (Psiri e Plaka) e nos brindam com refeições fartas e saborosas.



A juntar à Grécia dos turistas, temos a do luxo e dos influencers. Mykonos estava em preparativos para os receber quando chegámos à ilha. Durante o estadia, o frenesim de carpinteiros e pintores era grande. Até as pedras do chão exigiam atenção. Faziam-se aberturas regadas a champanhe. Assegurava-se que as grandes casas de Moda estavam a postos para entreter os clientes abastados. 

Chegámos num domingo pela manhã, os sinos repicavam e os locais empunhavam flores e folhas de palmeiras. Todo o cenário apontava para que se tratasse do Domingo de Ramos. Não bastava ter estado perdida no espaço, via-me ali perdida no tempo. “A Páscoa já passou”. Correcto, nos países não ortodoxos. Sem querer, ali estávamos a presenciar as celebrações pascais gregas. Viajar nesta altura representou um número inesperado de feriados nacionais e alterações nos horários de visita a sítios arqueológicos que felizmente conseguimos contornar. Tudo por acaso. 

Mykonos dá gozo de palmilhar. A maior cidade é cuidada e labiríntica. Presenteia-nos com vistas dignas de quadros, e apresenta-nos a gatos carismáticos que apetece adoptar. É também muito ventosa. Era-me impossível pensar com o bater constante do vento nos ouvidos. Sem o resguardo das casas, passear à beira-mar tornava-se um desafio. Visitar os moinhos de vento também. Os Antigos sabiam o que faziam quando decidiram onde os erguer. 




O vento fraco, moderado e forte foi uma constante durante a totalidade da viagem. E por muito que goste deste elemento, sinto que já tive a minha dose anual. Outra constante diária foi a ingestão de koulouri - se souberem onde posso encontrar esta iguaria por terras lusas agradeço que partilhem.

Meses volvidos, relembro a Grécia das casas brancas, do azul profundo do mar e do Pártenon. Relembro-a nas camadas multifacetadas que me foram dadas a observar e experimentar. Não será este um dos benefícios de viajar?

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