Cartas na mesa


Com olho para o negócio, as autoridades macaenses revelaram-se visionárias ao liberalizar a indústria do jogo, em 2002, e muniram-se de binóculos quando aterraram a ideia do Cotai, essa faixa que agora une Coloane e Taipa e tanto motivo de alegria acrescida tem sido para os cofres do Estado e para os residentes de Macau, que recebem em cheque, géneros e serviços, os frutos do fulgurante crescimento económico promovido pela mui controversa actividade.

Desengane-se quem antevê nas próximas linhas um panegírico ao jogo. Diz que os turistas não vêm a Macau pelas ruínas de S. Paulo, nem pela delicatessen que há-de ser o porco seco espalmado de aroma adocicado dado a provar pelas ruas. A cereja no topo do bolo são os casinos, e é deles que o dinheiro jorra.

Seria bom que os governantes deixassem de focar o pote no fim do arco-íris e assentassem as vistas num plano mais térreo e abrangente; a criação de mais fronteiras, facilitar vistos de entrada e o desenvolvimento de novos empreendimentos são contraproducentes considerando as características territoriais e do mercado laboral.

O proteccionismo concedido aos trabalhadores residentes de Macau e, por antítese, as dificuldades impostas à contratação de não residentes, apenas fomentam uma sociedade encostada e pouco competitiva em termos profissionais.

Com uma taxa de desemprego residual, as entidades empregadoras acenam ferozmente o seu vasto leque de benefícios para cativar os detentores de BIR, conhecido na gíria por "cartão mágico" pela facilidade com que abre portas. Independentemente do candidato ter background na área, a ordem é quase invariável no sentido da contratação. Entremos no personagem. Imaginem-se na pele de um residente de Macau, de preferência fluente em cantonense e mandarim, qual o nível de esforço estariam dispostos a empreender nos estudos e no trabalho sabendo que tinham emprego garantido? Pois. Resultado: elevada rotatividade de colaboradores, acções contínuas de recrutamento (sedução) e selecção, necessidades de formação básicas, desempenho mediano. E o mediano contagia por desgaste. Mesmo aqueles que se rebelam contra o status quo, sejam ou não residentes, provavelmente acabam por ceder gradualmente no seu compromisso com a excelência.

Perante a abertura dos onze hotéis em construção, neste ano apenas, prevê-se que a presente atitude em relação ao trabalho se acentue, a menos que a estratégia do Executivo mude e aumente as cotas para trabalhadores não residentes, criando nos residentes uma pressão positiva em prol do desenvolvimento de competências, invertendo a corrente e passando-se a nivelar por cima (Occupational hazard alert in progress: the individual shows signs of delusional thinking.). A par desta medida, seria benéfico que os decisores reflectissem sobre a quantidade de betão e pessoas que o território pode suportar - com Coloane fora da equação, s.f.f., e que a tão debatida diversificação da economia saísse dos discursos e fosse posta em acção. Convém não olvidar que o fim do monopólio do jogo esvaziou as indústrias tradicionais para alimentar a necessidade de mão-de-obra dos casinos, nos quais se sustenta a economia local. Estando anunciados empreendimentos do género em países vizinhos, culturalmente mais predispostos ao serviço, a árvore das patacas corre o risco de esmorecer. E depois, o que acontece?

Comentários

  1. Fiquei a conhecer o blogue através do Ponto Final.
    E, agora que o conheço, passo a segui-lo atentamente.

    ResponderEliminar

Enviar um comentário