No tuk tuk. No bus. No walk.

Para trás ficava uma Macau colorida pelos sinais âmbar e vermelho de tempestade. A rota estava traçada para o país do sudoeste asiático com sabor francês que faltava.

A caminho do Laos tempo para uma pit-stop estratégica em Ayutthaya, a porta de entrada dos ocidentais na Tailândia, à data Reino do Sião. Da magnificência doutros tempos resta uma cidade descaracterizada, pontuada por templos e ruínas.


De regresso ao poiso da noite anterior tentámos arranjar transporte para a estação ferroviária. As respostas obtidas não primaram pela originalidade, mas surpreenderam: "No tuk tuk. No bus. No walk.", numa tradução livre "Ups!", que isso de praguejar não é de bom tom. É certo e sabido que a sorte protege os audazes e os aflitos. Quis a fortuna que na rua aparentemente deserta um tuk tuk largasse o seu ocupante e o objectivo de embarcar no comboio nocturno para Nong Khai, na fronteira com o Laos, fosse cumprido.
No troço final da viagem os divertidos elementos da tripulação, entre o primor e a paródia, despertavam os passageiros com toques subtis nos dedos dos pés para servir o pequeno-almoço no beliche e com cantares de galo à passagem pela carruagem.
Sentada na soleira da porta escancarada os quentes raios solares cumprimentavam o corpo, a aragem brincava com o meu cabelo e enquanto contemplava a paisagem do velhinho MP3 soava From the morning. Perfeito.


A paisagem do Laos é dominada por densas florestas e plantações de arroz. Circula-se por estradas sinuosas que por vezes parecem ter tirado o molde do solo lunar. Mais hora, menos hora e a horas lá se consegue chegar ao destino. Há várias categorias de transporte disponíveis de acordo com a profundidade dos bolsos de cada um. Os mais comuns são os autocarros públicos, de janelas abertas e sobrelotados, transportam um pouco de tudo, de geradores, a galinhas. Os turistas viajam por norma em minivans ou autocarros VIP equipados com ar condicionado.



Nos destinos mais reconhecidos as tradições parecem ter dado lugar a encenações para turista ver. Em Luang Prabang, a recolha das almas (oferendas de comida aos monges budistas) ganha contornos de espectáculo.



Em Vang Vieng, o critério diferenciador dos restaurantes não é a ementa, nem o preço, mas a série americana de televisão a passar ininterruptamente (um cartel do mais refinado). Só falta o empregado de mesa perguntar: "O que vai desejar para almoço? - Pode ser FriendsFamily Guy fica para o jantar." Senhores do marketing toca a tomar notas. Nas pousadas, restaurantes, que não de rua, e bares, as palavras-passe para aceder ao Wi-Fi estão bem visíveis, e os pacotes turísticos são divulgados amplamente. Não me interpretem mal, tanto uma cidade como outra têm os seus encantos: da beleza natural das cascatas, lagoas ou grutas, à herança dos Cafés e gastronómica do domínio gaulês - vive la Baguette.

Luang NamTha aproximou-se mais da imagem que tinha do Laos. Num acto de coragem (ou loucura) alugámos bicicletas para explorar os arredores da pequena cidade. Pedalámos sob um sol impiedoso por  caminhos tortuosos. Encontrámos pessoas mais abertas e simpáticas, vimos grupos de crianças a brincarem saudavelmente na água ou a jogar futebol nos campos de arroz. O povo do Laos é pobre, mas não é miserável. No país pratica-se agricultura de subsistência e cada cabana tem os seus animais (galinhas, patos, porcos) que circulam livres pelas aldeias. Nota-se um forte sentido comunitário. Nas pequenas comunidades também se conseguem ver as melhorias nas condições das casas promovidas pela abertura ao turismo.


Confesso que imaginava o Laos de forma diferente. No íntimo, acredito sermos muitos os que nutrem a ideia romântica (e egoísta) do exotismo. Encontrar uma sociedade rural resguardada dos vícios e benefícios da modernidade. Cegos por instantes, esquecemos que todos têm direito ao conforto para além da dignidade. Afinal, "Travel is fatal to prejudice, bigotry, and narrow-mindedness, and many of our people need it sorely on these accounts. Broad, wholesome, charitable views of men and things cannot be acquired by vegetating in one little corner of the earth all one's lifetime". Lição de Mark Twain a ser retida e aplicada sempre que possível.

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