Tempo de antena

Houve eleições em Macau.

Num dia de campanha dei por mim a ver o Tempo de antena e senti-me de imediato tentada a fazer zapping. Contive-me e assisti por momentos ao discurso populista dos candidatos a apelar ao "sentimento territorial" dos eleitores, ou a servir sectores profissionais/empresariais (em alguns casos, seria o equivalente português aos sindicatos dos patrões e da função pública terem a sua lista). Tudo, num contexto em que menos de metade dos deputados da Assembleia Legislativa é eleita por sufrágio directo e apenas os residentes permanentes têm direito ao voto. Um rol de excelentes razões para premir o botão do comando, vamos concordar. Estranhamente, senti-me uma impostora quando o fiz. Afinal, vivo aqui!

Contribuo para o PIB, passo pela luta diária de entrar num autocarro apinhado para ir trabalhar, sofro com a fraca qualidade do ar, com a subida constante de preço dos bens essenciais e a perversidade das agências imobiliárias e senhorios, donos duma desmedida ambição que obriga as pessoas a andarem de casa ou negócio às costas e as extorque a cada novo contrato. O que acontece em Macau, afecta-me.

De tempos a tempos há simulacros de avanços civilizacionais na Assembleia Legislativa, que não passam disso. Os projectos chocam nas barreiras culturais ou em poderosos interesses financeiros. Adiam-se soluções de problemas sérios como a criação de um salário mínimo geral, a regulação do mercado imobiliário de arrendamento ou a quantidade de veículos a circular pela cidade. Em simultâneo, criam-se regras mais rígidas à mobilidade profissional dos trabalhadores não residentes e estreita-se o espaço para a meritocracia. Negligencia-se a qualidade de vida de todos os habitantes e acentuam-se as desigualdades de direitos e monetárias.

A sustentabilidade de Macau como terreno fértil de oportunidades depende da resolução destes e doutros desafios. Seria, sem dúvida, uma mudança positiva e surpreendente de mentalidade se a nova organização do hemiciclo governativo deitasse mãos à obra e lutasse por uma Macau melhor.

Foi só um desabafo.

(Suspiro!)

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