Não, não foi a Guerra dos Tronos que me levou ali. Foi um postal.
Desde que os dias de férias o têm
permitido que aplico a máxima “Vá para fora, lá perto” nas minhas idas e voltas
a Portugal. São destinos que servem de breve interlúdio entre a azáfama de
visitar capelinhas e o cansaço acumulado dos deveres diários. A verdadeira
pausa.
Antes de desvendar o destino mais
recente, aproveito para fazer uma declaração de interesses. A Idade Média
fascina-me. E por isso, unindo o útil, o fútil e um postal, rumei à Andaluzia.
Viajar na Andaluzia com tempo limitado
exige planeamento. Cedo me apercebi que os horários em muitos dos monumentos da
região equivalem a espartilhos impostos ao viajante mais relaxado. Quem não
cumprir arrisca-se a ser penalizado. Acresce ainda a dependência de transportes
públicos, quando não se viaja de veículo próprio ou alugado. A espontaneidade é
confinada. Um exemplo é o autocarro que nos leva à Medina Al-Azhara, nos
arredores de Córdova, cujo bilhete não pode ser adquirido no próprio dia; outro,
é a entrada para os Palácios Nazaríes de Alhambra, que impõe o seguimento à
risca da hora escolhida para a visita. A situação repetiu-se com a ida ao segundo
piso da Casa Pilatos e aos apartamentos reais do Alcácer, em Sevilha. Se gostam
de evitar multidões, preparem-se para madrugar e estar atentos ao relógio.
Os mais próximos conhecem o meu dom
para ir aos destinos quando estão a ser afectados por fenómenos meteorológicos
extremos. Nas palavras duma passante: ¡Puta madre, qué calor! Valeram-me os aspersores
das esplanadas e o protector solar factor 50+. Mas nem os 48°C apontados nos
painéis informativos espalhados pela cidade retiraram charme a Córdova, que
mostra orgulhosa os vestígios da sua longa e rica História.
Dos vários episódios que me ficaram na
memória destaco o que se passou na mesquita-catedral da cidade. Foi lá que
reparei num árabe a olhar atentamente para uma lápide. Movida pela curiosidade,
aproximei-me e perguntei-lhe se ainda conseguia ler o que estava escrito. Sim.
Era uma transcrição do Corão e, por os textos sagrados não terem sido
alterados, conseguia ler a maior parte das inscrições desgastadas na pedra pelo
tempo. Disse que esperava ter encontrado mais escritos árabes nas paredes
da mesquita (agora também catedral). Lembrei-o da prática milenar de apagar
vestígios de anteriores potentados. A ausência de informação sobre o que foi
perdido permitiu-me mostrar contentamento por ver que, ainda assim, tanto da
época muçulmana tinha chegado aos nossos dias. Provavelmente, o conhecimento do
senhor impediu-o de partilhar o sentimento.
Os muçulmanos dominaram a península durante séculos e
deixaram a sua arquitectura, cultura, arte e costumes. Mantenho que os nuestros hermanos souberam preservar bem
a herança.
(Eu avisei que gosto de História).
As cidades andaluzes têm muito mais
para viver além do majestoso património arquitectónico. São abundantes os eventos
ao ar livre nas noites de Verão. Concertos, cinema, espectáculos de dança ou
teatros de rua… é só escolher. Como gosto de beber o que de característico os
lugares têm para oferecer apostei no FlamencoLorquiano.
Não estava preparada para o que ia encontrar. O espectáculo foi ao
anoitecer, nos jardins Generalife. Um cenário, por si mesmo, arrebatador. Seguiu-se
a mestria dos artistas do Ballet de Flamenco da Andaluzia, unida à vida e
escrita de Federico Garcia Lorca. No fim da introdução já os ovacionava
mentalmente de pé. ¡Olé! Flamenco caviar, foi o que foi. Daqui
não há retorno.
Um aspecto curioso de viajar pela Andaluzia foi que, sem
me aperceber, abandonei os phones.
Era rara a praça, miradouro ou zona de esplanadas que não tivesse a sua própria
banda sonora ao vivo, cortesia dos muitos músicos ambulantes que mostravam a
sua arte aos turistas e locais.
Sevilha, Granada, Ronda e Córdova vão muito além de serem
cidades-museu. São vivas, pitorescas e bem-humoradas.
Obrigada A.S. pelo postal!
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