Appunti di viaggio

Estávamos em Pompeia quando a minha irmã me passou para a mão um caderno de capa preta frágil entitulado Appunti di viaggio. Foi nas páginas amareladas do pequeno bloco de notas que me aventurei pela primeira vez nestas lides de registar as impressões que tinha dos locais por onde passava. Abria-o apenas com esse intuito. Ainda lhe sobravam páginas quando me mudei para a Ásia e alguns dos textos que por aqui encontram tiveram origem nos rascunhos que ali escrevia. 

Itália foi a minha primeira grande viagem. Duas semanas em que percorremos alguns dos locais icónicos do país e outros menos familiares à maioria. Viajava-se de forma diferente. Além da Júlia e do Jonathan, tínhamos como guia um livro que não estava adaptado à nova moeda. Não havia hostels, nem o alojamento local era difundido como em anos mais recentes. Acabámos por acampar em Florença e em Veneza. Almoçámos em Castel Gandolfo com uma vista encantadora para o lago vulcânico, dançámos ao som de música indie à volta da fogueira, em Óstia. Guardo estes momentos com um sorriso. Da viagem recordo também as ruas perfumadas de Roma, os pinheiros mansos, as mossas nas carroçarias dos carros, e a dificuldade em encontrar comida sem queijo. O mundo acabara de ficar maior.


Nestes últimos seis meses regressei a Itália duas vezes. Uma a lazer, outra a trabalho. Foi como um reencontro de amigos que não se vêem há algum tempo. De início notam-se as diferenças, mas com o desenrolar da conversa sentimo-nos iguais. É um país que me é próximo.

Se na viagem inaugural a sede de visitar monumentos ocupou a maior parte do tempo, a segunda foi sobretudo dedicada a absorver o estilo de vida italiano. Em Roma, optámos por ficar em bairros típicos, daqueles em que não se fala inglês e as ementas estão escritas exclusivamente na língua local. 


Em Florença, fruto do final de época alta, encontrámos estadia numa zona limítrofe da cidade, que nos deu a perceber o quão detalhistas são os transalpinos. Entre o alojamento e o centro da cidade, as paragens de autocarro eram anúnciadas com uma exactidão que roçava o caricato, em particular a La Marmorq Radio Firenze 95.4 FM. O poiso de Florença também nos permitiu extender o vocabulário autóctone quando decidimos recorrer ao tradutor da Google para expressar o que nos ía no corpo e na alma: Questo materasso è un pezzo di merda!


Os anos que passaram deram origem à divulgação das novas tecnologias, e a compra generalizada de bilhetes online quase erradicou a existência de filas. Desta vez consegui visitar as Galerias Uffizi! 


A cidade eterna continua imponente e a encantar com as suas cores terracota. Por muito que o propósito da viagem fosse relaxar ao bom estilo italiano, é impossível escapar (e resistir) a visitar vestígios da civilização Romana e da religião católica - o Mercado de Trajano, o Panteão e a gelataria ao lado, terão sempre honras no meu coração. 


Trastevere, embora muito turístico, é perfeito para deambular e fazer refeições ao ar livre. 



Passados quase dois meses desde a última visita, Itália e a maioria do mundo estão muito diferentes. A braços com uma das maiores tragédias da sua história recente, os Italianos começam a perder o brilho da alegria de viver que os distingue. São o expoente manifesto dum combate desigual contra um inimigo invisível. Nestes tempos incertos em que nos vemos através das janelas (digitais e físicas) ansiamos por um regresso à vida como a conhecíamos. Com resiliência haveremos de lá chegar.



Comentários