SinkingLanka

Havia tempo que as paisagens luxuriosas do Sri Lanka se tinham alojado no meu imaginário. Seduzida pelos relatos e imagens que me chegavam, tomei a decisão de visitar o país sozinha. Perante os alertas de amigos para os perigos que poderia enfrentar, cheguei a um compromisso, e num gesto atípico recorri aos serviços duma agência de viagens para fazer uma tour personalizada.

No átrio do aeroporto encontrei o motorista que me iria acompanhar durante a viagem. De aspecto franzino e bigode grisalho, começou por estranhar a pouca bagagem. Depois, a ausência de companhia. Lembrei-o que a reserva era para uma pessoa.  “No husband!?”, perguntou espantado. “I travel light”. Uns dias mais tarde, disse que me podia apresentar a um exportador de Colombo, de boas famílias, que daria um excelente marido. Porque, claramente, não me estava a desenrascar.

Era uma pessoa singular. Tentava camuflar com sacos de papel o álcool que comprava nas paragens, e o ajudava a passar as noites. Mostrava a revolta visceral pelos Tigres da Libertação Tamil, cujos atentados mergulharam o país numa guerra civil por duas décadas, e aplaudia os crimes de guerra praticados pelo Governo Cingalês para exterminar a ameaça. Ainda relatou uns quantos. Fazia escárnio dos crentes no conto de fadas da virgem Maria, enquanto falava com devoção do dente de Buda; e, não nos esqueçamos, considerava inconcebível uma jovem solta pelo mundo sem marido.

Em plena época seca, o país estava debaixo de água. Era difícil circular. Deparámo-nos com vários aluimentos de terra e algumas estradas cortadas, o que inviabilizou uma boa parte do itinerário. Também os troços ferróviários estavam bloqueados, e a desejada viagem de comboio transformou-se num prémio de consolação, formato micro. 





Ter-me inscrito numa tour implicava ir a restaurantes pré-designados, às lojas de pedras preciosas de origem duvidosa, ficar em hotéis para famílias e casais, e ser alvo de caça à gorjeta ao mínimo contacto ocular. Em Kandy, lá convenci o motorista a levar-me a um restaurante que os locais frequentassem. A refeição foi servida em pratos envoltos em plástico, comi com as mãos e havia um lavatório e sabão disponíveis para os fregueses lavarem a mão. Foi o contacto mais genuíno de toda a viagem com a cultura cingalesa. A constante chuva forte confinou-me mais tempo do que seria esperado aos hotéis. As playlists para as áreas comuns incluíam invariavemente Richard Marx com I will be right here waiting for you, e My heart will go on, da Céline Dion. Frustrada com o desenrolar dos dias, pensei como era apropriada a banda sonora – a primeira a fazer lembrar as audições do Oceano Pacífico, e a segunda um desastre rodeado de água. Digamos que o Sri Lanka era por aqueles dias um local impróprio para incontinentes.





Há viagens que não são um sonho. Esta, não foi sequer agradável.

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