Vietnam continued.

[Anteriormente, no "A 8 horas de distância"]

E a história continuou. Foi escrita aos poucos ao longo de sete anos, entre a simplicidade e o requinte, gargalhadas, reencontros, deslumbramentos e desencantos. 


NOVOS CAPÍTULOS

O regresso não foi imediato. Havia e continua a haver tanto mais para descobrir. Eis que chegado o momento voltei a rumar para terras vietnamitas, desta vez acompanhada.

Hội An, Hué, Phú Quốc

O primeiro destino foi Hội An. Uma cidade pitoresca, na municipalidade de Da Nang, que vingou como interposto comercial e se virou para o turismo. O amarelo predomina nas construções centenárias de diferentes origens, que servem de montra ao seu passado intercultural e lhe granjearam o título de Património Mundial da UNESCO. Todo um cruzamento de culturas que resulta numa agradável sintonia. 


Decidimos mimar-nos e buscámos alojamento num hotel boutique nos arredores da cidade. Depois duma longa caminhada esperava-nos uma bacia de água tépida com ervas aromáticas para ajudar os pés a recuperar. Conforto low cost.

A cidade gira em redor do rio. Com o cair da noite é para onde todos afluem - os turistas para observar o cortejo de velas a flutuar no seu leito, os locais para fazer negócio. No comum mercado nocturno do Sudoeste Asiático, as lâmpadas tradicionais atraíam o maior número de curiosos. O mercado rodeava bistros, restaurantes-escola e bares. A gastronomia vietnamita é qualquer coisa de maravilhosa.

Durante o dia, a cidade era animada pelos mercados de frescos, um sem número de alfaiatarias, lojas de marroquinaria, e os inevitáveis cafés.


Pouco mais de 100km separam Da Nang de Hué, e a viagem de comboio entre ambas foi das mais bonitas que fiz. Um percurso de harmonia com a Natureza, onde a marca humana se limita aos cabos eléctricos que acompanham a ferrovia ao longo de praias inacessíveis por terra, pântanos onde garças se misturam com búfalos-d'água, pequenas cascatas e riachos. 

A visita a Hué foi breve e dedicada aos vestígios da sua era como Capital Imperial do Vietname. Inspirada na Cidade Proibida de Pequim, a cidadela fica aquém da original em magnificência e em duração. Erguida no século XIX, foi destruída quase na totalidade por incêndios e pelos múltiplos conflitos que assolaram o país durante o século XX. Não quer isto dizer que seja pequena e destituída de pontos de interesse. Merece uma visita. 

Nos arrabaldes de Hué encontram-se vários túmulos imperiais. De forma aleatória, optámos pelo de Ming Mang. Por entre pequenos edifícios, escadarias e pátios, percorremos o majestoso complexo enquanto nos desviávamos dos pingos grossos da chuva.

Dali, seguimos para a ilha de Phú Quốc. Tal como noutros destinos de praia semelhantes, o homem da bolinha é substituído pela senhora da fruta, a massagista ambulante, o vendedor de paréos. O derradeiro encanto estava reservado para o mercado de peixe e marisco, para onde caminhámos todas as noites para repastos de fazer lamber os dedos. 


Stop! In the name of love (ou da amizade)

A proximidade do Vietname, e voos directos sazonais para Da Nang, tornavam-no um destino desejável para fins-de-semana prolongados.

Assim, noutra visita a Hội An, o desejo de descanso era tal que o pretexto para sairmos a horas úteis da cama era não perdermos o pequeno-almoço. Conseguimos contrariar a pouca vontade de nos mexermos e alugámos bicicletas alheias a suspensão e amortecedores, para explorar as redondezas. Qual genérico d'O Verão Azul. Arriscámos encontros próximos com búfalos-d'água, conseguímos chegar a uma praia e rimo-nos bastante à conta das nádegas doridas das longas pedaladas. Numa dessas saídas, o nosso esforço foi recompensado com a sandes de baguette mais saborosa de todos os tempos, cortesia duma casa discreta à entrada de Hội An.


Sem ti sou só saudade nas paredes da cidade

Regressei à capital do Vietname durante as festividades do Ano Lunar. Na mesma época e lugar que terminara o primeiro capítulo, encerrar-se-ia esta história. Encontrei uma Hanói transfigurada. O calor da primavera antecipada agraciava as multidões que percorriam o centro da cidade rumo aos templos, cafés e restaurantes, ou que simplesmente se passeavam nas margens do lago Hoàn Kiếm

Senti a mudança até na atmosfera das ruas do Velho Quarteirão, à data mais semelhante com a vivida noutras capitais do Sudoeste Asiático. Provavelmente, será o fruto duma maior abertura ao turismo e da melhoria das condições sócio-económicas da população urbana. Uns chamar-lhe-ão adaptação, pessoalmente senti-o como perda de identidade. A transformação não se limitou ao ambiente vivido nas ruas. Quando pedi uma sandes, a memória trouxe-me o sabor duma baguete crocante, a realidade trouxe pão de forma. Duas vezes.

A decisão de visitar Hanói pela altura do Ano Novo Lunar foi súbita. Percorremos metade da cidade à procura de um local em que fosse possível cambiar a moeda. Afinal, nem tudo estava aberto.

A propaganda política estava menos visível. Durante a Guerra do Vietname e nos anos subsequentes, os artistas eram considerados soldados ao serviço do Estado. Felizmente, são tempos idos. As réplicas de cartazes passaram a souvenir aliciante. Para os mais sensíveis às mensagens subliminares ou para os que simplesmente as ignoram, encontrou-se a alterativa de reproduzir apenas a estética em pósteres de blockbusters.

Os emaranhados de cabos elétricos, a simpatia e o acolhimento do povo vietnamita permaneceram.

Embora as novas constatações tenham retirado algum encanto ao Vietname, continua a ocupar o lugar cimeiro na minha ordem de preferências entre os países da outrora Indochina.

Inesperadamente, foi em português que alguém espelhou numa parede de Hanói o que me ia na alma no momento da despedida.



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