Um navio de penedos*

 Foi com inesperada rapidez que chegámos a Peso da Régua. Junto ao cais e à estação de comboios, as vendoras de rebuçados tentavam o negócio, enquanto os turistas se passeavam.

Para poiso, optámos por uma Quinta com alojamento local e que se encontra num sítio privilegiado. O dono mostrou-nos as áreas principais e a adega. As vindímas tinham acabado nem há duas semanas. Contou como são feitas sem recurso a mão-de-obra contratada, mas pela comunidade que se reúne em torno da tarefa. Começam bem cedo e às 10h já estão prontos para comer uma refeição de bacalhau. O silêncio do lugar só era quebrado pelo badalar dos sinos da igreja e a buzina do padeiro.



Queríamos a maior autencidade possível, num mundo cada vez mais customizado para os gostos turísticos. Apoiámo-nos nas recomendações de quem ali vive e trabalha para estabelecer os percursos, decidir o que visitar e onde comer. Foi assim que nos decidimos pela ida à Quinta das Carvalhas, da Real Companhia Velha.

Situada na margem esquerda do rio Douro, mesmo à entrada do Pinhão, a Quinta das Carvalhas foi-nos apresentada pelo Fernando. Ao longo da visita falou-nos da sua história, dimensão, variedade de castas e dos múltiplos atributos que a terra tem e dá, e que tornam a Região Demarcada do Douro especial. Parava para nos dar uvas a comer, mexermos no xisto, esfregármos as mãos com lavanda e sentirmos a frescura do seu cheiro, trincarmos alecrim e depois voltarmos a degustar as uvas. Para o fim, alcançou uns medronhos enquanto afirmava “Na vinha não se passa fome! Vêm aí os cogumelos.” Bem haja, Fernando, pelo seu entusiasmo. Sobre o Pinhão, dizia que era um “fim de mundo”, descuidado e com pouco para oferecer. Pedimos-lhe sugestões para almoçar, mas não conseguimos confirmar se seriam válidas pois, entre as 14h10m e as 14h20m, foram vários os restaurantes em que nos foi dito que já não serviam refeições. Entre a incredulidade e queixumes, lá conseguimos encontrar um que queria fazer negócio. Posso atestar que bastantes pessoas ficaram de barriga vazia. É de lamentar que assim seja. Noutro dia, foi às 19h que garantimos lugar numa afamada tasquinha, em Mesão Frio. Convém procurar fazer as refeições cedo por estes lados.




No nosso deambular pelo Baixo e Alto-Corgo não poderia faltar o passeio de barco, nem as degustações de vinhos. De carro, entre curvas e contracurvas, deparávamo-nos com solares abrasonados, edifícios em ruínas, miradouros, e vinhas de perder de vista. O curso sinuoso das estradas prolonga o tempo de viagem. Quaisquer 20 km tornam-se facilmente em 30 minutos de caminho. Um ritmo lento a condizer com o prazer contemplativo.



A meteorologia também ditou os percursos a tomar e, num dia chuvoso, optámos por fazer um desvio até Amarante. Não foi a melhor altura para visitar a cidade junto ao Tâmega, parecia um enorme estaleiro. Prosseguimos para Vila Real rumo à Casa de Mateus, e ali encontrámos o  seu fiel jardineiro de mais de quatro décadas de serviço, que nos contou como o seu avô lhe passara o mister, e nos explicou como podar as roseiras.  


Deixámos para o último dia, já no regresso a casa, a visita às aldeias vinhateiras. Entre pomares carregados de fruta, conseguimos encontrar Salzedas. Mas a supresa ficou reservada para Ucanha, em tempos a entrada para os domínios do couto da ordem de Cister. É uma adeia muito bem preservada, que remonta às origens de Portugal.




Ficou o sentimento, tão bem expresso por um apaixonado do Douro:

E cada hora a mais que gasta no caminho

É um sorvo a mais de cheiro

A terra e a rosmaninho!”

*Miguel Torga, São Leonardo de Galafura

 

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