Legend has it*

Diz a lenda que a Escócia foi outrora povoada por bruxas, fadas, e por santos. Seres poderosos que, por via de feitiçaria ou milagres, ditavam através da Natureza castigos ou dádivas a seu bel-prazer. Basta percorrer as Terras Altas e a Ilha de Skye para compreender o misticismo que as rodeia. 




Com muitas lendas por onde escolher, foi a das cinco irmãs de Kintail que captou a minha atenção. Num típico era uma vez, um irlandês de visita apaixonou-se à primeira vista por uma donzela. Logo tratou de saber quem era o seu pai para pedir a mão da donzela em casamento. Ao pai, convenceu-o que era um príncipe e que se lhe permitisse casar com a sua filha e levá-la para a Irlanda, voltaria com os seus cinco irmãos, todos eles solteiros, para casar com as suas outras cinco filhas. A braços com tamanha boa fortuna, o pai deu o seu aval e os recém-casados partiram rumo ao país vizinho. Os anos foram passando e dos cinco príncipes não havia nem sinal. Certo dia, uma bruxa apiedou-se das cinco irmãs e disse-lhes o que todos constatavam - o seu pai tinha sido vítima de logro, e fariam melhor se desistissem duma espera infrutífera. Responderam, obtusas, que um dia os príncipes chegariam para as desposar. Como cortesia pelo desprezo demonstrado ao conselho gentilmente dado, a bruxa estendeu-lhes a espera pela eternidade ao transformá-las em colinas. Um encantamento apenas quebrado quando os príncipes beijassem as encostas, restituindo as irmãs à forma humana. Noutra versão, foi de tanto esperarem que as irmãs se transformaram em rocha, sem que para isso houvesse bruxaria à mistura. Contos e pontos. 

Do mesmo modo, diz a lenda que os escoceses são exímios contadores de histórias. Tenho a sorte de conhecer dois que são especialistas na arte. Conseguem a proeza de nos agarrar às palavras e ansiar pelo seu desenrolar. Nos relatos das Terras Altas, a par do misticismo, sobressaem o peso de derrotas históricas, a bravura dos combatentes, e o carácter abrasivo da colonização inglesa. Relata-se a dissolução do regime feudal dos clãs, a matança brutal de quem se recusasse a ser expropriado das suas casas e terrenos, o impedimento, punível com a morte, de comunicarem em gaélico. Nas Terras Altas e na Ilha de Skye, a reverência à identidade dos escoceses vai transpirando em pequenos símbolos. Encontram-se nas placas das estradas, com o quase extinto gaélico escrito acima do Inglês, e nas portas e estações de autocarro pinceladas em lilás, como que a reflectirem a urze (heather) que desabrocha nas montanhas e as pinta de roxo claro.


Senti que em Edimburgo as narrativas eram mais distanciadas em relação às lutas do passado, com um maior foco em curiosidades de livros transformados em filmes e séries de sucesso, e com um wee gosto pelo macabro. Fui aliciada para uma visita guiada “histórica” a pé pela cidade, que se revelou decepcionante. O que ouvi foi como alguém sobreviveu a um enforcamento e ganhou o nome numa taberna, a história de assassinos em série, ladrões de sepulturas, entre outros elementos mórbidos. Se é verdade que me interessam pouco este género de histórias, não é menos verdade que reflectem a forma como a cidade de Edimburgo foi sendo identificada ao longo dos anos. Um lugar sombrio e perigoso. Valha-nos que a visita foi feita neste século, e a cidade é bastante mais airosa e diversificada nas suas actividades. 


A lenda também diz que a Libra esterlina está no valor mais baixo das últimas décadas, o que não significa que o Euro esteja forte, mas sim o Dólar americano. Aspecto relevante quando nos deparamos com taxas de câmbio menos simpáticas do que gostaríamos, ou quando nos encontramos rodeados por norte-americanos, encorajados a viajar pela força da sua moeda. Califórnia, Texas, Filadélfia, Carolina do Norte, e mais uns quantos Estados. Travei conversa com mais norte-americanos nesta viagem, do que com escoceses. Tal poderá estar relacionado com o que a lenda não diz: como a pandemia mudou a forma de viajar. O contactless veio para ficar. Para fazer check-in basta um código, enquanto num restaurante é possível pedir e pagar a refeição através do telemóvel. Se traz eficiência, também desumaniza. A balança é sempre difícil de equilibrar.


*Diz a lenda...

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