A saque

Ragusa. Pérola do Adriático. Cenário de série fantástica. É desta combinação histórica, figurativa e temática que se ergue a Dubrovnik actual. Charmosa, robusta, com perfume a pinheiros mansos no ar, rodeada por águas cristalinas que imploram por mergulhos.


Alimenta-se com voracidade do turista de bolsos fundos. Presta-lhe pouca consideração. A alvura das suas ruas e construções reflecte a luz, talvez na esperança de encadear os visitantes para que não lhe observem os defeitos. É difícil não serem notados, mesmo perante tanto carisma. 

Chegámos num dia de calor e humidade propícios para cozinhar a vapor, e ainda nos aguardava uma escalada de 148 degraus, contados e recontados, para chegar ao alojamento. Calhou-nos arrendar o apartamento a pessoas que se revelaram muito atenciosas - a excepção.

Dois dias volvidos, decidimos acordar mais cedo para percorrer a cidade antes de se instalar a confusão e a torreira. Permitiu-nos observar as subtilezas das rotinas locais que se perdem na maré de turistas. Como a do senhor que conversava sentado à porta do Rector's Palace e, ao ouvir as nove badaladas do sino, se levantou com prontidão para abrir a cancela do museu.   



Na mesma manhã, enquanto passeávamos pelo porto demos conta da quietude. As bancas de venda de actividades recreativas estavam vazias, os barcos amarrados no cais. Ao articularmos a estranheza, respondeu-nos uma voz em português: "O bronco do empregado de hotel informou que com vento de Sul não saem barcos". Ora aí está! Uma frase, duas advertências. A primeira, sobre a qualidade do serviço, que está nos antípodas do amigável. A segunda, a aludir ao impacto que qualquer brisa mais forte vinda de Sul possa ter em actividades aquáticas, mesmo em dias solarengos. O mar estava de facto picado, e foi ficando mais com o passar das horas. 

Por sorte, tínhamos visitado Lokrum na véspera. Pela módica quantia de €27/pessoa tivemos direito a uma viagem de 10 minutos para cada lado (há-que compensar os dias do vento de Sul). Do lado de lá, esperáva-nos isto:



Mas não foram apenas os preços das viagens de barco que lançaram alarmes à carteira. Pelo bilhete combinado para caminhar na muralha medieval e visitar a pequena fortaleza de Lovrjena cobra-se €35; pelo Dubrovnik Pass, que nas palavras da funcionária do ponto de turismo dá acesso "to the city walls, some museums and stuff", pedem-se €39. As cartas dos restaurantes espalhados pela cidade anunciam à entrada que não há lugar a refeições por menos de €30-€35, considerando a proteína mais acessível ou massa, o acompanhamento invariavelmente cobrado à parte, e uma bebida não-alcoólica de 25cl. Claro que também há alguns botecos de tortilhas, pizas e sandes. Caso se tenha essa opção, cozinhar é uma boa alternativa.



Fica a sensação que está aberta a época do saque ao turista. Pergunto-me se a Croácia sofreu este ano o mesmo fenómeno de Portugal aquando da transição para a moeda única, e os preços foram arrendondados para o dobro com a conversão. Ou, se Dubrovnik sente com maior impacto a sede de viajar do pós-pandemia, consequente sobrelotação e encarecimento absurdo da cidade, como acontece em Lisboa ou Barcelona. Certo é que esta espiral é incomportável e não tem solução aparente.

Gostei de Dubrovnik, até do suor a escorrer sem pausas, do esforço físico das contantes subidas e descidas. Gostei da história marcada nas suas ruas, da sua resistência ao longo dos séculos, das paisagens, cheiros, das águas, e dos gelados. Teria gostado mais, não fosse a mancha provocada pela ganância e displicência de tratamento aplicados a quem a visita. 



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